quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A fé que procura compreender

O texto abaixo foi um trabalho da disciplina de Teologia Sistemática que realizei em 2008, no Setek - Seminário Teológico Dom Egmont Machado Krischke.



INTRODUÇÃO À TEOLOGIA


Fernando da Silva Santos
Prof. Dom Luiz O. Prado
Seminário Teológico Dom Egmont Machado Krischke – SETEK
Teologia Sistemática III
24/04/2008

RESUMO

O livro Introdução à Teologia, organizado por Thomas P. Rausch, foi elaborado por professores do Departamento de Estudos Teológicos da Universidade Loyola Marymount, em Los Angeles, Estados Unidos. Seu conteúdo é uma introdução ao estudo da teologia, examinando a sua natureza como ciência e sua tarefa crítica. Aborda a história de Israel e os livros da Bíblia Hebraica, o desenvolvimento do cânon do Novo Testamento e nos oferece uma visão geral da história da Igreja. O livro trata, também, da fé, de questões de antropologia teológica, a natureza e os métodos da teologia moral, os sacramentos, espiritualidade e, finalmente, os concílios Vaticano I e II e as principais religiões não ocidentais.

Thomas Rausch afirmando que muitos entendem, erroneamente, que teologia é uma disciplina misteriosa e estranha, mostra que ela parece complexa por fazer eco a diferentes vozes e preocupações. O autor destaca que a teologia trata da nossa experiência de Deus como membros de uma comunidade de fé e cita Santo Anselmo que dizia que a teologia é fides quaerens intellectum (a fé que procura compreender). Assim, a teologia é bem diferente dos estudos religiosos ou da história das religiões. Para Rausch, fazer teologia é tentar dar expressão à fé pessoal passando por uma perspectiva interna, dentro de uma tradição religiosa específica. E só se consegue fazer teologia a partir da fé, que estabelece a ligação com Deus.
A teologia bíblica busca recuperar o sentido histórico do texto bíblico, o sentido pretendido pelo autor. Ao contrário do fundamentalista, que identifica o sentido do texto com o sentido literal das palavras, o teólogo bíblico, ou exegeta, procura descobrir o sentido pretendido pelo autor. Já a teologia histórica ocupa-se do desenvolvimento da fé da Igreja e a tradição teológica em diferentes períodos da história. A teologia sistemática, por sua vez, se empenha em compreender as doutrinas básicas da fé e mostrar como elas se relacionam entre si.
Bernard Lonergan mostra a distinção entre as tarefas da teologia doutrinária (dogmas) e da teologia sistemática. As doutrinas dizem respeito a afirmações claras das realidades religiosas. A sistemática procura compreender as realidades religiosas proclamadas pelas doutrinas. A teologia sistemática é construtiva enquanto procura reexpressar a fé e a doutrina da Igreja numa linguagem e idioma contemporâneos.

A teologia tem, entre outras, a tarefa de discriminar expressões oficiais da fé da Igreja, suas doutrinas, daquilo que é crença popular e opinião teológica. A teologia também tem a tarefa crítica de reinterpretar a linguagem da Igreja. Sendo assim, a teologia é sempre uma tarefa da comunidade que crê. Tanto teólogos profissionais quanto bispos participam dessa atividade teológica, porém de formas diferentes. Os bispos têm a responsabilidade de supervisionar as proclamações da Igreja e de preservar seu “depósito da fé”, enquanto os teólogos falam de dentro da Igreja, não por ela. Sugerir que os teólogos, mesmo os investidos de uma missão canônica, falam pela Igreja é confundir a função deles com a dos bispos. Os papéis de ambos são importantes, mas suas tarefas específicas são diferentes.

Daniel L. Smith Christopher inicia o capítulo 2 salientando que a Bíblia Hebraica é composta por 39 livros que foram escritos ao longo de 850 anos. Essa coleção de livros descreve uma relação duradoura, um romance tempestuoso entre amantes de vontade férrea. A relação entre Israel e Deus forma um conjunto de escritos muito diferentes, mas o básico é o relacionamento entre Deus e o povo de Deus. Vários escritores hebreus descrevem essa relação em termos muito humanos e também como pai e filho.
Christopher diz que devemos falar em “Bíblia Hebraica” em vez de “Antigo Testamento”, pois assim lembramos da linguagem e cultura de suas origens. Ele também nos lembra que esses escritos são sagrados, para judeus e cristãos.
Os livros do cânon hebraico são divididos em Torá (Lei ou Instrução), os Profetas e os Escritos. Para compreender os livros do cânon hebraico é necessário ter um certo conhecimento da história hebraica antiga. Christopher também adverte que não devemos separar a Bíblia Hebraica do povo que a produziu e da terra onde esse povo viveu. É importante o contexto socioeconômico e político da origem da confederação israelita nos séculos XIII e XII a.C..

A história israelita se caracteriza por seu evidente moralismo. A principal tarefa dos escritores históricos do antigo Israel era elucidar sua compreensão de Deus e do modo como Deus estava presente em suas vidas. Estamos diante de uma literatura religiosa e não de arquivos régios ou de anais históricos. Sob essa perspectiva, podemos evitar inúmeros equívocos desnecessários. Até meados do século XX, os estudiosos depositavam maior confiança na historicidade das narrativas patriarcais, mas trabalhos recentes tanto da área arqueológica como da análise textual levantaram sérias dúvidas sobre a possibilidade de se usar qualquer conteúdo do gênesis para reconstruir a história antiga de algum modo significativo. O gênesis deve ser encarado como na história, inspirada por motivação religiosa, da origem do povo hebreu e de sua organização em clãs.

Os escritos do Novo Testamento, segundo Jeffrey S. Siker, expressam os compromissos de fé das primeiras comunidades cristãs. Os próprios escritos nos dizem muito sobre como e por que surgiram comunidades cristãs. A unidade dos vários escritos do Novo Testamento gira em torno da experiência, fé e compreensão de Jesus como ápice e paradigma da existência humana no contexto do judaísmo do primeiro século. Como acontece com as escrituras judaicas, é melhor considerar o Novo Testamento como uma coleção de vários “livros” e não como um livro único. Todos, porém, têm um ponto de convergência comum, o sentido da crença de que Jesus é o Cristo, o filho de Deus. O Novo Testamento contém 27 diferentes “livros”, em geral classificados em três categorias: evangelhos, cartas e outros escritos.

Apesar da complexidade do assunto, podemos dizer que a formação do cânon do Novo Testamento se processou basicamente em quatro etapas. Embora os documentos do Novo Testamento tenham sido escritos ao longo de um período de tempo relativamente curto, foram necessários vários séculos antes que fosse alcançado um consenso sobre que escritos exatamente deviam integrar esse cânon. Há basicamente seis estágios na história da tradição e vários instrumentos de análise foram desenvolvidos para abordar cada estágio em seus próprios termos. A crítica histórica tem por objetivo obter um quadro o mais claro possível do evento em estudo. A crítica histórica também dedica atenção especial aos contextos histórico, social e religioso em que os vários documentos do Novo Testamento foram escritos. Jeffrey S. Siker conclui que o caráter distintivo de vários escritos do Novo Testamento mostra as múltiplas imagens de Jesus Cristo que deram forma ao surgimento da fé e da prática dos primeiros cristãos.

Segundo Herbert J. Ryan, a teologia é o esforço para compreender e interpretar a experiência de fé de uma comunidade. A história da Igreja narra a história dessa comunidade de fé que se esforça para compreender e interpretar sua experiência de fé. Assim os cristãos aprofundam sua compreensão de quem são.
Os seguidores mais próximos de Jesus, segundo o livro dos Atos, permaneceram em Jerusalém, por ordem de Jesus, até o Pentecostes, quando receberam o Espírito Santo. À medida que a Igreja foi se expandindo geograficamente, os que aderiram à comunidade de fé foram levando para ela suas diversas culturas.
Para desarticular a Igreja, alguns líderes judeus lançaram uma feroz perseguição aos fiéis de Jerusalém, em torno do ano 50 d.C.. Separada do judaísmo, a Igreja precisou compor sua própria identidade. A fazer isso, ela conservou muitos valores do judaísmo: seu monoteísmo, seu código de ética expresso nos Dez Mandamentos, a Bíblia.
Durante o século II, a Igreja enfrentou três crises que desafiaram sua identidade: o gnosticismo, o marcionismo e o montanismo. A Igreja teve sucesso ao reagir a essas investidas, mas ao fazê-lo, ela mudou muito.
O século II viu o surgimento da teologia nos escritos de Justino, de Irineu e de Clemente. A teologia floresceu com as obras de Tertuliano e Cipriano, os primeiros teólogos a escrever em latim, e Orígenes, um dos maiores teólogos de todos os tempos.
As perseguições à Igreja cessaram com Constantino que assumiu o poder imperial romano em 312, acreditando que seu sucesso se devia ao favor do Deus dos cristãos. Ele sempre demonstrou interesse especial pela Igreja.

As dúvidas e distorções sobre os ensinos bíblicos sempre deram muito trabalho aos teólogos. Em 318, Ário, na Alexandria, levantou uma grande discussão. Ele dizia que o Filho estava tão subordinado ao Pai, a ponto de não ser Deus, mas uma criatura. A controvérsia se tornou tão desagregadora que Constantino convocou todos os bispos da Igreja a se reunirem em concílio, em Nicéia, em 325.
O renascimento foi um movimento complexo que mudou o gosto literário, artístico e filosófico da elite instruída da Europa Ocidental. O autor cristão preferido dessa elite foi Agostinho. Ela aprovava os escritos dos Padres da Igreja, mas considerava a teologia escolástica árida em seu conteúdo e bárbara em seu estilo literário.
A Reforma foi um movimento que procurava avariar a fé cristã e simplificar a prática religiosa. A obra de Calvino é a exposição mais bem organizada e sistemática da doutrina e da vida cristã produzida pela Reforma, sendo responsável pela propagação do protestantismo nos Países Baixos e nas Ilhas Britânicas.
Em 1552, o Concílio de Trento condenou o protestantismo e polemicamente contestou tanto Lutero quanto Calvino. Este mesmo concílio definiu um programa para a renovação da Igreja que se mostrou extraordinariamente eficaz.
O Concílio Vaticano I definiu a primazia da Igreja de Roma entre as Igrejas e do seu bispo, o papa, entre os bispos. O concílio declarou que a Igreja é infalível e que o papa exerce essa infalibilidade quando ensina a verdade religiosa ex cathedra.
A cristologia contemporânea destaca a humanidade de Jesus. Alguns teólogos da libertação ressaltam que a salvação que chega com Jesus é holística, isto é, volta-se à transformação da pessoa humana toda, física e espiritualmente. Isso não significa negar a divindade de Jesus. É na Igreja e através dela que a pessoa chega ao conhecimento de Jesus Cristo.
Do ponto de vista do modelo personalista, o ato de fé é acima de tudo uma resposta total da pessoa. A fé não é uma resposta de apenas um aspecto da nossa personalidade, mas uma resposta da pessoa toda. A fé é uma resposta livre, no sentido de que o crente toma uma decisão pessoal de aceitar a manifestação pessoal de amor de Deus revelado em Jesus Cristo.
Quando uma pessoa faz um ato de fé aceitando a manifestação pessoal de amor por parte de Deus em Jesus Cristo, ela faz isso com a consciência de que está assumindo um compromisso permanente. O ato de fé introduz a pessoa num processo de mudança. A fé transforma o crente, transforma a relação do crente com os outros e a fé tem a capacidade de transformar o próprio mundo através da mudança das estruturas da sociedade.

A antropologia moderna, segundo Mary M. Garascia, estuda a origem da vida humana e o desenvolvimento da cultura humana. Mas muito antes do surgimento da ciência da antropologia, a teologia cristã já mantinha estudos, pesquisas e debates contínuos e profundos sobre a pessoa humana. Mary M. Garascia salienta, ao falar da imagem de Deus, que quando surgem novas religiões, elas não inventam novos termos ou ideias do nada. Caracteristicamente, elas recorrem a outras religiões e às culturas que as cercam, editando, acrescentando, sintetizando ideias e ajustando a linguagem até que novas intuições criativas surjam claramente. Os hebreus, que colocaram nas escrituras a expressão “imagem de Deus”, se basearam em várias histórias cananeias e mesopotámicas sobre a criação do universo e dos seres humanos. A expressão “imagem de Deus” significa que os humanos são criados seres bons, inteligentes e livres por um Deus que é necessariamente todas essas coisas.

O cristianismo, segundo John R. Popiden, existe onde as pessoas se empenham em viver uma vida cristã. A essência da vida do cristão é a fé em Jesus Cristo. A fé do cristão no Deus trino o transforma numa nova pessoa enquanto ele mantém uma relação pessoal com a fonte pessoal e medida de todo o bem. Os cristãos rezam, lêem as Escrituras, procuram tornar-se pessoas melhores e se debatem com os problemas da vida diária.
A moralidade cristã, as crenças e práticas dos cristãos relacionadas com o que é bom e mau e com o que é certo e errado à sua vida cotidiana, faz parte do cristianismo desde o momento em que Jesus e os apóstolos transmitem seus ensinamentos.

Michael Downey diz que cada vez mais, as pessoas estão considerando a fé religiosa de qualquer orientação uma questão de gosto e satisfação pessoal. Seja o que for que as várias tradições religiosas possam ter em comum, existem diferenças reais entre elas. Podemos definir os sacramentos como símbolos da presença de Deus na vida, na história e no mundo humano e na Igreja. Na celebração da Eucaristia, Cristo está presente para a comunidade no memorial de sua morte. Na partição do pão e na bênção do cálice, a comunidade cristã expressa e recebe sua identidade como Corpo de Cristo. O batismo e a confirmação conduzem para essa mesa. A Eucaristia é o centro da vida sacramental cristã e os outros sacramentos derivam seu sentido da relação com ela e têm como objetivo levar os cristãos a celebra-la mais plenamente. Levar a sério o que é dito e feito no culto sacramental propicia aos seguidores de Cristo um saber fazer que lhes permite encontrar respostas cristãs autênticas para questões cada vez mais complexas.

Mary Milligan diz que a espiritualidade se refere à sabedoria espiritual acumulada pela humanidade através dos tempos em busca da união com o transcendente, frequentemente entendida como Deus. Estudar a espiritualidade cristã é estudar as manifestações da experiência que brotam da fé cristã.
As questões teológicas que se põem à Igreja hoje, segundo Marie Anne Mayeski, são aquelas postas pelas exigências da história e pela missão dada à Igreja por Cristo seu Senhor, de ser luz para todas as nações.
Christopher Key Chapple diz que cada grupo humano enfrentou a seu modo suas questões básicas de sobrevivência. A condição humana está repleta de certas características biológicas e antropológicas: nascimento, amadurecimento, acasalamento, procriação, manutenção do bem estar físico e econômico, envelhecimento e morte. Teologicamente, os desafios dos três últimos séculos foram imensos. Ao entrar em novas terras e encontrar povos antigos, a Igreja se viu frente a frente com pressupostos culturais muito diferentes.

APRESCIAÇÃO PESSOAL

A leitura de Introdução à Teologia, embora tenha trazido questionamentos novos, foi importante, pois trouxe-me muitas pistas para uma melhor compreensão dos ensinamentos bíblicos e da fé cristã. O livro também mostra que a teologia está presente na vida de todos os cristãos e auxilia no amadurecimento da fé. Pareceu-me que este livro poderá servir de apoio para estudos futuros ao longo do curso e até mesmo na minha vida religiosa. 

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