quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Nem ao menos um relógio na parede

Compartilho aqui uma reflexão da madrugada, enquanto acompanhava minha sogra Anesia aqui no Hospital Santa Clara.

Tic tac, tic tac. A batida do relógio à  minha frente é constante, regular. Anesia e suas duas colegas de quarto,  parecendo não se incomodarem com suas enfermidades,  dormem o sono dos justos.
Será mesmo que os justos também roncam enquanto dormem?
Certeza tenho de que o silêncio da noite é muito barulhento; e a noite da grande metrópole não tem cães a latir.
Por que os cães das grandes cidades não latem  à noite?
Nem uma revoada de quero-queros se ouve ao longe,  como sempre se ouvia lá nós campos de cima da serra da minha infância.
A madrugada vem, o sono não.
Penso na vida, na minha vida,  na vida dos que eu quero bem.  Penso também em tantos que neste momento não têm sequer uma poltrona,  como está em que eu estou, para descansar seus corpos cansados. E ainda pior que isso,  quando o dia clarear, tantos não terão um sonho qualquer para correr atrás.
Mas o tempo, como o relógio no seu tic tac,  segue seu curso,  independente do conforto ou desconforto que se teve durante a noite,  alheio aos nossos sonhos ou dissabores.
Pena que a humanidade,  dia após dia, segue adormecida e não ouve o tic tac do relógio,  muito menos o clamor daqueles que nem ao menos têm um relógio na parede.

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