(O texto a seguir, elaborei como trabalho de aula da disciplina Teologia e Metodologia Pastoral.)
O tema morte nos leva a pensar também sobre dor, sofrimento e saudade. Mas para o cristão, este assunto vem sempre acompanhado pelo tema Ressurreição. Muitos estabelecem que a morte representa o fim de tudo. A fé cristã, entretanto, nos faz crer que quando morremos ingressamos na Vida Eterna. Essa esperança de vida após a morte faz com que o cristão encare com mais serenidade a dor, o sofrimento e a saudade. Como bem resume o Livro de Oração Comum, a liturgia pelos falecidos é uma liturgia pascal e todo o seu significado se concentra na Ressurreição. Mas, embora a morte seja assim encarada, quando perdemos um ente querido levamos algum tempo para nos acostumarmos com o fato. O próprio Jesus chorou ao tomar conhecimento da morte de seu amigo Lázaro. Quando vigiamos e oramos, a morte nos faz chorar, porém não nos surpreende nem causa desespero.
Outro dia, uma colega de trabalho estava preocupada porque seu filho, um menininho de quatro ou cinco anos, encasquetou que o mundo ia acabar e começou a fazer perguntas, querendo os pais sempre por perto. Isso me fez lembrar que os primeiros cristãos acreditavam que esse mundo em que vivemos logo acabaria: os justos iriam para o céu, junto com Cristo, e os maus para o inferno.
Diante da violência, das tragédias provocadas pela natureza, pela ação irresponsável do homem e outras intempéries que nos afligem, volta e meia, deparo-me com minha mãe, do alto de seus 81 anos de vida e de fé, dizendo: “Isso é sinal dos tempos; o fim está próximo”.
Sob a alegação de que a vida está tão atribulada e tudo corre tão rápido, talvez muitas pessoas tentem desviar seus pensamentos do tema morte. Mas não há como fugir dela. Se o menininho, filho da minha colega, tiver a mesma oportunidade que teve minha mãe e for instruído na esperança da Ressurreição, seus temores, aos poucos, se dissiparão e, mesmo sem provas concretas, ele crescerá confiando que a morte é apenas mais um obstáculo a ser vencido. É natural que tenhamos medo da morte, mas vale lembrar o que disse Jesus: “Eu sou a Ressurreição e a Vida; o que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá eternamente.” Portanto, a vida não acaba na morte.
“O Senhor é meu Pastor e nada me faltará.”
Um câncer dizimou minha avó materna, na metade da década de 1970, quando seus 12 filhos, relativamente jovens, talvez não estivessem suficientemente maduros na fé para encararem aquela primeira baixa na família.
Dona Elisa, nunca fora uma pessoa expansiva e não tenho lembrança de uma única vez em que ela tenha se manifestado na Igreja sobre a sua fé. Ela não falava de sua fé, ela a vivia. Estava sempre presente, sempre pronta a trabalhar pela congregação, porém sem salientar-se. As melhores lembranças que tínhamos dela, antes daquele período em seu leito da morte, eram as guloseimas que preparava, principalmente, na véspera do Natal e da Páscoa.
Os anos todos de exercício da fé, ao lado de meu avô, dobrando os joelhos diariamente antes da cada refeição (tivesse a mesa farta ou não), dando graças pelas suas vidas, pelos filhos, netos e bisnetos, não foram em vão. A morte encontrou Dona Elisa pronta para a Vida Eterna. E antes de partir ela repartiu com seus filhos, parentes e muitos amigos, a semente de sua fé. Ninguém precisou consolá-la. Todos que a visitaram no hospital ouviram-na recitar do Salmo 23 com confiança e convicção, deixando-nos algo ainda mais doce e saboroso que os seus sequilos. Vovó nos mostrou na prática que “viver é Cristo e morrer é lucro”.
A década de 1970 foi de perdas significativas para mim. Vó Elisa nos deixou em 1976. Em 78 e 79, respectivamente, morreram meus avós Manoel e Acácio. Antes disso, em 1973, fiquei órfão de pai.
Numa época em que a medicina ainda não dispunha da tecnologia e dos conhecimentos atuais, convivemos por anos com a enfermidade de meu pai. Eu era ainda um menino quando os médicos diagnosticaram que meu pai, homem moço, tinha sérios problemas cardíacos.
A participação efetiva na vida da Igreja nos foi muito importante diante daquela constatação. Não houve desespero na família, mas a cada crise de seu Ary, pensávamos que poderia ser a última. Passou-se quase uma década até que veio o inevitável.
Este tempo de “maturação” da morte de meu pai, embora nunca tenhamos tratado do assunto abertamente, ajudou-nos a buscar forças para aquela hora e para o período natural de saudade e dor pela separação. Assim, entendo que o sofrimento de meu pai e, conseqüentemente, de minha mãe, de meus irmãos e meu, serviu para nosso crescimento na fé e na compreensão sobre a vida e a morte.
Neste ano de 2008, estou vivendo novas experiências nesta área. Foram quatro óbitos nos últimos nove meses, na Paróquia de Todos os Santos, o que proporcionou-me um novo aprendizado. Tive de encarar a situação, não apenas como membro da congregação mas como o líder, pois nosso pároco, com problemas de saúde pessoal, nem sempre esteve presente.
Vivenciar estes momentos de dor, ouvir os lamentos dos enlutados, buscar uma palavra de consolo e conforto, orar com e pelas pessoas, além da preparação de meditações tornaram-se uma rotina. Foi algo marcante nesta minha caminhada de preparação ao Sagrado Ministério e devo ter contribuído com a congregação, mostrando, à luz do Evangelho, que nada, nem mesmo a morte, pode nos afastar do amor de Deus. A congregação e os familiares dos falecidos, por sua vez, responderam com suas atitudes, que assimilaram o ensinamento da Igreja e que trazem muito viva a esperança de ver a Glória de Deus.
A solidariedade e desprendimento de cada irmão e irmã, servindo aos familiares enlutados nos momentos de despedida, preocupando-se desde a acolhida dos amigos e parentes vindos de longe, até a participação na liturgia, sempre reconhecendo o amor de Deus por todos nós, demonstram claramente a compreensão e convicção que prevalece na congregação.
Quando falamos em morte, logo nos vem à mente o sofrimento que, como já referimos em paper anterior, não é vontade expressa de Deus. Vimos também o quanto é difícil buscar uma explicação para o sofrimento humano.
Dentre as perdas que tivemos na Paróquia de Todos os Santos neste ano de 2008, uma, particularmente, me levou à reflexão mais profunda sobre o sofrimento.
Tendo vivido quase 90 anos “no temor de Deus”, servindo de exemplo de humildade, caridade e devoção, no final do ano passado, D. Ida deparou-se com mais uma, e talvez a maior, adversidade. Sua saúde foi definhando, o seu assento nos bancos da Igreja começou a ficar vazio, rarearam as suas idas ao Salão Paroquial para auxiliar no preparo da sopa que semanalmente é servida para uma comunidade carente do bairro. Logo, não se viu mais na rua aquela figura simpática e querida por todos. Com a chegada do inverno, o quadro clínico se agravou e D. Ida passou meses sofrendo sobre uma cama, até a morte.
Inevitável questionamento nos vem à mente diante de situações semelhantes a dessa nossa irmã na fé. Porque tanto sofrimento para uma pessoa tão boa?
Não me encorajo a atribuir tal circunstância à vontade de Deus, mas entendo que situações como essa nos conduzem à busca de uma comunhão mais íntima com o Criador. Mais ainda quando a pessoas que está sofrendo, como foi o caso de D. Ida, manifesta de forma tão evidente a sua gratidão a esse mesmo Deus. Logo, só encontro uma resposta plausível: As pessoas que conviveram com o sofrimento de D. Ida tiveram oportunidade de sentir a presença de Deus e se sentiram chamadas para uma vivência mais santa, tendo como exemplo a própria D. Ida.
“Eu sei que o meu Redentor vive e que, ao final, se levantará sobre a terra. Depois Ele me ressuscitará e eu verei a Deus. Sim, eu mesmo O verei, os meus próprios olhos contemplarão a um amigo e não a um estranho”. (Jó 19: 25-27)
A fé cristã está alicerçada na Vida, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, portanto, são oportunas as palavras de Jó que mesmo tendo sido homem justo, sofreu intensamente. É importante que ensinemos às nossas congregações que Deus não se alegra e não quer o sofrimento humano e que o sofrimento não está relacionando ao pecado. Quem sofre não sofre porque pecou. Por outro lado, entendo que quando sofremos abrimos caminho para uma relação mais profunda com Deus. Não se trata de uma experiência masoquista. O que ocorre é que quando tudo vai bem em nossas vidas, podemos incorrer no erro de nos considerarmos auto-suficientes e nos afastarmos de Deus. Aliás, como bem exemplifica o teólogo Martin Dreyer, quando vivemos a experiência da cruz e seguimos o exemplo de Cristo, temos compaixão pelos que sofrem e sofremos com eles. Assim vivendo, não veremos a morte como algo terrível e como o fim. Aprendendo a conviver com a morte, à luz do Evangelho, percebemos que ela nos abre as portas para a Vida Eterna na presença de Deus.
O tema morte nos leva a pensar também sobre dor, sofrimento e saudade. Mas para o cristão, este assunto vem sempre acompanhado pelo tema Ressurreição. Muitos estabelecem que a morte representa o fim de tudo. A fé cristã, entretanto, nos faz crer que quando morremos ingressamos na Vida Eterna. Essa esperança de vida após a morte faz com que o cristão encare com mais serenidade a dor, o sofrimento e a saudade. Como bem resume o Livro de Oração Comum, a liturgia pelos falecidos é uma liturgia pascal e todo o seu significado se concentra na Ressurreição. Mas, embora a morte seja assim encarada, quando perdemos um ente querido levamos algum tempo para nos acostumarmos com o fato. O próprio Jesus chorou ao tomar conhecimento da morte de seu amigo Lázaro. Quando vigiamos e oramos, a morte nos faz chorar, porém não nos surpreende nem causa desespero.
Outro dia, uma colega de trabalho estava preocupada porque seu filho, um menininho de quatro ou cinco anos, encasquetou que o mundo ia acabar e começou a fazer perguntas, querendo os pais sempre por perto. Isso me fez lembrar que os primeiros cristãos acreditavam que esse mundo em que vivemos logo acabaria: os justos iriam para o céu, junto com Cristo, e os maus para o inferno.
Diante da violência, das tragédias provocadas pela natureza, pela ação irresponsável do homem e outras intempéries que nos afligem, volta e meia, deparo-me com minha mãe, do alto de seus 81 anos de vida e de fé, dizendo: “Isso é sinal dos tempos; o fim está próximo”.
Sob a alegação de que a vida está tão atribulada e tudo corre tão rápido, talvez muitas pessoas tentem desviar seus pensamentos do tema morte. Mas não há como fugir dela. Se o menininho, filho da minha colega, tiver a mesma oportunidade que teve minha mãe e for instruído na esperança da Ressurreição, seus temores, aos poucos, se dissiparão e, mesmo sem provas concretas, ele crescerá confiando que a morte é apenas mais um obstáculo a ser vencido. É natural que tenhamos medo da morte, mas vale lembrar o que disse Jesus: “Eu sou a Ressurreição e a Vida; o que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá eternamente.” Portanto, a vida não acaba na morte.
“O Senhor é meu Pastor e nada me faltará.”
Um câncer dizimou minha avó materna, na metade da década de 1970, quando seus 12 filhos, relativamente jovens, talvez não estivessem suficientemente maduros na fé para encararem aquela primeira baixa na família.
Dona Elisa, nunca fora uma pessoa expansiva e não tenho lembrança de uma única vez em que ela tenha se manifestado na Igreja sobre a sua fé. Ela não falava de sua fé, ela a vivia. Estava sempre presente, sempre pronta a trabalhar pela congregação, porém sem salientar-se. As melhores lembranças que tínhamos dela, antes daquele período em seu leito da morte, eram as guloseimas que preparava, principalmente, na véspera do Natal e da Páscoa.
Os anos todos de exercício da fé, ao lado de meu avô, dobrando os joelhos diariamente antes da cada refeição (tivesse a mesa farta ou não), dando graças pelas suas vidas, pelos filhos, netos e bisnetos, não foram em vão. A morte encontrou Dona Elisa pronta para a Vida Eterna. E antes de partir ela repartiu com seus filhos, parentes e muitos amigos, a semente de sua fé. Ninguém precisou consolá-la. Todos que a visitaram no hospital ouviram-na recitar do Salmo 23 com confiança e convicção, deixando-nos algo ainda mais doce e saboroso que os seus sequilos. Vovó nos mostrou na prática que “viver é Cristo e morrer é lucro”.
A década de 1970 foi de perdas significativas para mim. Vó Elisa nos deixou em 1976. Em 78 e 79, respectivamente, morreram meus avós Manoel e Acácio. Antes disso, em 1973, fiquei órfão de pai.
Numa época em que a medicina ainda não dispunha da tecnologia e dos conhecimentos atuais, convivemos por anos com a enfermidade de meu pai. Eu era ainda um menino quando os médicos diagnosticaram que meu pai, homem moço, tinha sérios problemas cardíacos.
A participação efetiva na vida da Igreja nos foi muito importante diante daquela constatação. Não houve desespero na família, mas a cada crise de seu Ary, pensávamos que poderia ser a última. Passou-se quase uma década até que veio o inevitável.
Este tempo de “maturação” da morte de meu pai, embora nunca tenhamos tratado do assunto abertamente, ajudou-nos a buscar forças para aquela hora e para o período natural de saudade e dor pela separação. Assim, entendo que o sofrimento de meu pai e, conseqüentemente, de minha mãe, de meus irmãos e meu, serviu para nosso crescimento na fé e na compreensão sobre a vida e a morte.
Neste ano de 2008, estou vivendo novas experiências nesta área. Foram quatro óbitos nos últimos nove meses, na Paróquia de Todos os Santos, o que proporcionou-me um novo aprendizado. Tive de encarar a situação, não apenas como membro da congregação mas como o líder, pois nosso pároco, com problemas de saúde pessoal, nem sempre esteve presente.
Vivenciar estes momentos de dor, ouvir os lamentos dos enlutados, buscar uma palavra de consolo e conforto, orar com e pelas pessoas, além da preparação de meditações tornaram-se uma rotina. Foi algo marcante nesta minha caminhada de preparação ao Sagrado Ministério e devo ter contribuído com a congregação, mostrando, à luz do Evangelho, que nada, nem mesmo a morte, pode nos afastar do amor de Deus. A congregação e os familiares dos falecidos, por sua vez, responderam com suas atitudes, que assimilaram o ensinamento da Igreja e que trazem muito viva a esperança de ver a Glória de Deus.
A solidariedade e desprendimento de cada irmão e irmã, servindo aos familiares enlutados nos momentos de despedida, preocupando-se desde a acolhida dos amigos e parentes vindos de longe, até a participação na liturgia, sempre reconhecendo o amor de Deus por todos nós, demonstram claramente a compreensão e convicção que prevalece na congregação.
Quando falamos em morte, logo nos vem à mente o sofrimento que, como já referimos em paper anterior, não é vontade expressa de Deus. Vimos também o quanto é difícil buscar uma explicação para o sofrimento humano.
Dentre as perdas que tivemos na Paróquia de Todos os Santos neste ano de 2008, uma, particularmente, me levou à reflexão mais profunda sobre o sofrimento.
Tendo vivido quase 90 anos “no temor de Deus”, servindo de exemplo de humildade, caridade e devoção, no final do ano passado, D. Ida deparou-se com mais uma, e talvez a maior, adversidade. Sua saúde foi definhando, o seu assento nos bancos da Igreja começou a ficar vazio, rarearam as suas idas ao Salão Paroquial para auxiliar no preparo da sopa que semanalmente é servida para uma comunidade carente do bairro. Logo, não se viu mais na rua aquela figura simpática e querida por todos. Com a chegada do inverno, o quadro clínico se agravou e D. Ida passou meses sofrendo sobre uma cama, até a morte.
Inevitável questionamento nos vem à mente diante de situações semelhantes a dessa nossa irmã na fé. Porque tanto sofrimento para uma pessoa tão boa?
Não me encorajo a atribuir tal circunstância à vontade de Deus, mas entendo que situações como essa nos conduzem à busca de uma comunhão mais íntima com o Criador. Mais ainda quando a pessoas que está sofrendo, como foi o caso de D. Ida, manifesta de forma tão evidente a sua gratidão a esse mesmo Deus. Logo, só encontro uma resposta plausível: As pessoas que conviveram com o sofrimento de D. Ida tiveram oportunidade de sentir a presença de Deus e se sentiram chamadas para uma vivência mais santa, tendo como exemplo a própria D. Ida.
“Eu sei que o meu Redentor vive e que, ao final, se levantará sobre a terra. Depois Ele me ressuscitará e eu verei a Deus. Sim, eu mesmo O verei, os meus próprios olhos contemplarão a um amigo e não a um estranho”. (Jó 19: 25-27)
A fé cristã está alicerçada na Vida, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, portanto, são oportunas as palavras de Jó que mesmo tendo sido homem justo, sofreu intensamente. É importante que ensinemos às nossas congregações que Deus não se alegra e não quer o sofrimento humano e que o sofrimento não está relacionando ao pecado. Quem sofre não sofre porque pecou. Por outro lado, entendo que quando sofremos abrimos caminho para uma relação mais profunda com Deus. Não se trata de uma experiência masoquista. O que ocorre é que quando tudo vai bem em nossas vidas, podemos incorrer no erro de nos considerarmos auto-suficientes e nos afastarmos de Deus. Aliás, como bem exemplifica o teólogo Martin Dreyer, quando vivemos a experiência da cruz e seguimos o exemplo de Cristo, temos compaixão pelos que sofrem e sofremos com eles. Assim vivendo, não veremos a morte como algo terrível e como o fim. Aprendendo a conviver com a morte, à luz do Evangelho, percebemos que ela nos abre as portas para a Vida Eterna na presença de Deus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário