sábado, 29 de setembro de 2007

Nem sempre o que se vê é ouro

Foi tão importante, quanto difícil, mas foi a primeira vez. E eu sabia que precisava enfrentar aquele momento e mostrar a mim mesmo que era capaz. Eu era um moço, cheio de vitalidade, não tinha por que ter medo daquela hora.
Mas havia alguns motivos de preocupação. Meus colegas, todos jovens inexperientes como eu, recuaram e nem sequer se animaram a correr os olhos sobre ela, muito menos tocá-la e, quiçá, penetrar nela e sentir o gozo que poderia nos oferecer.
Eu, que era um moço cheio de princípios, ia à igreja semanalmente, às vezes até participava da liturgia lendo os salmos ou a epístola, estava deveras apreensivo. Meus pais me ensinaram que devíamos fazer as coisas certas.
Foram algumas noites mal dormidas, de reflexão e tomada de decisão.
- Que Deus tenha misericórdia de mim e me livre do pior, pensava eu, quando chegou o dia combinado.
Naquela noite, tomei um banho mais demorado do que de costume, nem quis comer aquele feijão-mexido que até hoje a D. Flor, minha mãe, faz tão bem. Fui para a escola sentindo calafrios, o coração, às vezes, disparava.
Naquele ano, o Inter, meu time querido, novamente fazia um grande campeonato e estávamos prestes a conquistar, em cima do Corinthians, o bicampeonato brasileiro. Os colegas estranharam pois, ao contrário do que sempre ocorria, naquela noite nem de futebol eu queria falar. E os mais abusados logo perceberam o meu nervosismo e vieram com aquelas piadinhas de mau gosto:
- É hoje, eih, vê se na hora não vai amarelar, tu estás muito nervoso.
Eu estava nervoso, é verdade, mas tinha me preparado para a ocasião.
- Meu Jesus, que chegue a hora da verdade, pedi, silenciosamente, como sempre fazia quando me sentia acuado. Afinal, embora ainda jovem, eu tinha alguma intimidade com Deus e já tinha aprendido que podia confiar nEle. Mas para o que eu ia fazer, valia pedir socorro ao Criador?
Finalmente, tocou o sinal para o início da aula. Entrei na sala e até a professora percebeu que eu estava nervoso, mas mesmo assim, perguntou-me em tom encorajador:
- Pronto para o grande momento? Então venha à frente da classe e conte-nos.
Com as pernas trêmulas, levantei-me e caminhei, nervoso, mas sabendo o que teria que fazer. E comecei a contar a história para todos os colegas.
Eles me olhavam atentos, mesmo assim, fui dizendo o quanto havia sido prazeroso passar várias horas manuseando aquele livro, penetrando na história. Contei, com as minhas próprias palavras, a trajetória de “Fernão Capelo Gaivota”, uma ave que sonhava alçar vôos mais altos.
Foi muito importante para mim, pois aquela foi a primeira vez que tive a coragem de falar em público, de frente para as pessoas. E foi depois disso que percebi que eu poderia, mesmo sendo tímido, levar alguma mensagem às pessoas. E assim fui tomando gosto pela coisa e hoje me preparo para ser um sacerdote.
Ah, se você começou a ler este comentário imaginando que ele teria outro desfecho, lembre-se, nem tudo que se vê é ouro, nem sempre a primeira impressão é a verdadeira.

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